terça-feira, 27 de agosto de 2024

BRINCADEIRAS DE CRIANÇA

 O jogo de esconde esconde e o processo de Adoção.


Uma das brincadeiras mais prazerosas de uma infância é um jogo de esconde-esconde. Uma brincadeira, um jogo simples que em uma primeira análise esconde, na sua simplicidade, um dos maiores prazeres do ser humano. O jogo de esconde-esconde, esconde, o prazer de ser encontrado. Quem brinca ou já brincou desta atividade, vai se lembrar que é muito prazeroso encontrar, porém talvez tanto quanto ou mais prazeroso ainda, seja  ser encontrado. Freud em uma brincadeira com seu neto já teorizou sobre isto, mostrando que, no jogo, seu neto simbolizava o encontrar e o ser encontrado, o ir e vir de seus pais.

Seguindo por esse jogo e as lembranças deste, lembro-me de situações onde crianças em processo de adoção encontram grande dificuldades nas relações com as famílias adotantes, sendo comum, nos processos legais que via justiça ocorrerem, devoluções das crianças devido a não adequação tanto por parte das crianças quanto por parte dos pais. Nas escutas clínicas a partir da psicologia, observamos que, quando não há uma boa interação entre a criança adotada e seus novos pais, sua nova família, alguma questão ocorreu na adoção simbólica. Efetivamente, aquela adoção não aconteceu.

Ainda sobre adoção, lembro-me de um caso clínico envolvendo uma relação de pai e filho.  Trata-se de um pai muito apegado a seus filhos mas que em determinado momento de sua vida ocorre a separação conjugal. Nesta separação este pai, não por opção, deixa com a mãe um filho de 12 anos e uma filha de 8 anos. Foram cerca de 10 anos bastante conturbados mas que este pai procurou de todas maneiras estar por perto, nunca se mudou para longe da casa dos filhos e estava sempre envolvido com as questões de cuidado destes, providenciando sempre que necessário apoio médico e psíquico profissional para seus filhos. 

Com o passar dos anos e neste contexto, este pai que antes da separação já havia iniciado um processo psicoterapêutico e que se estende por cerca de 12 anos ou mais de psicoterapia, se vê frente a novos desafios, tendo já uma maior compreensão a cerca dos acontecimentos. Com o passar dos anos seu filho que na época tinha 12 anos cresceu se tornou um homem e se casou. Sua filha que na época tinha 8 anos descobriu ainda na adolescência, na transição da adolescência para a juventude que sua orientação de gênero era de um menino e que ele era um menino trans. Já na idade adulta mas talvez com a mente adolescente, este menino procura seu pai e pede apoio com questões relativas aos ensinos e com questões relativas a gênero. 

O pai que até então havia ficado muito abalado e chateado com o  filho pois o mesmo havia se distanciado do seu pai ainda na adolescência, quando ele, o pai, havia corrigido sua "filha" referente a condutas que vinha tendo naquele momento, quando este, agora menino, retorna, seu pai lhe acolhe novamente, e aceita a demanda do filho para morar contigo. Estando morando com o pai o filho retoma os estudos de uma maneira mais organizada e continua o processo de transição de gênero o qual foi apoiado pelo pai, inclusive com cuidados médicos especializados.

Este processo para o pai, embora em uma aceitação incondicional do filho com as relações de gênero, foi necessário para o pai realizar uma elaboração de luto tendo em vista que aquela menina que tanto amava e era apegado por ela, não existia mais. Mas o pai seguiu seu propósito de apoio aos seus filhos e de cuidado mantendo sua dedicação e acolhendo este agora seu filho um rapaz. 

Mas esse rapaz esse novo filho seu possuía grandes angústias e encontrava no uso de narcóticos, saídas para apaziguar sua ansiedade fazendo uso diário de maconha. 

O pai era ciente do uso da droga, possuía uma compreensão ampla do qual era a necessidade de seu filho em usar aquela droga como saída para a sua ansiedade, investia em orientações para que seu filho pudesse encontrar outra saídas que fossem melhores, que tivessem menos efeitos colaterais para o seu filho. 

Um dia porém observou que seu filho estava usando a substância em uma quantidade muito maior que o habitual, várias vezes durante um dia numa mesma semana. Compreendendo que o filho estava com maior ansiedade, o chama para uma conversa, questiona e orienta sobre as implicações do uso abusivo da substância. Frente a este posicionamento paterno o filho se angustia mais e vai embora de forma abrupta da casa de seu pai, da mesma maneira que outrora, na adolescência,  não retomando mais o contato com o seu pai. 

O pai tenta então mais algumas vezes ir ao encontro do filho. Observando que seu filho não desejava esse encontro, pois este encontro implica para ele, que seu pai lhe questione sobre algumas coisas, lhe oriente sobre algumas questões e coloque alguns limites, o que por sinal faz parte da função paterna, assim este filho continua afastado de seu pai. 

Como passar do tempo e o pai mantendo-se em psicoterapia, chega um dia em que em uma conversa com o seu outro filho, aquele que na época da separação possuía 12 anos, fala para ele da falta que sente de seus filhos, em especial deste filho homem trans que tem evitado o contato com seu pai. Nesta conversa com seu filho ele diz: filho sinto muita falta de vocês principalmente do seu irmão mas eu não vou mais ao encontro dele pois ele não quer ser encontrado. 

Deste relato da conversa com seu filho e desta fala sobre o filho não querer ser encontrado pelo pai, tenho então um o insight sobre o encontrar e o ser encontrado, correlacionando com  o adotar e o ser adotado que me motiva para a escrita deste. 

Muito se fala sobre não adoção dos pais para com os filhos, o que realmente ocorre e  que em muitos casos torna-se um problema de ordem psíquica para uma criança quando ela não é adotada por seus pais ou por aqueles que vão se propor a fazer uma adoção de crianças abandonadas. Adoção que vai para além das questões legais, passando pelo simbólico.

Retornando então essa fala do pai onde o mesmo lembra que seu filho não quer ser encontrado, observa-se que a questão da adoção tão questionada por parte dos cuidadores também parece estar presente naquele que não aceita de alguma maneira ser adotado/cuidado. No caso específico o filho trans, que rejeita a presença do pai que orienta e que ao mesmo tempo questiona suas condutas, aparece como um filho que não aceita que não adota aquela figura paterna. Adotará outra? O tempo dirá e dirá também sobre a estrutura clínica daquele sujeito, sobre a estrutura mental .

 Concluindo este raciocínio, lembro-me das crianças que são adotadas mas que não são efetivamente adotadas em seus novos lares penso: Seria apenas um problema dos pais que não adotam ou em muitos casos a criança também não adota esses pais? A criança também não adota esses novos lares? Lembro-me também dos inúmeros casos de pessoas em situação de rua e que de alguma maneira não possuem o desejo de  serem encontradas. Onde estaria o desejo? 

Talvez esta seja a grande pergunta do Século XXI

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