quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

COLECIONADORES DE MONSTROS

Muito embora a ideia de se ter um monstro nos é algo talvez assustador, todos temos um. Há inclusive quem os crie como que por estimação, desde pequenos monstrinhos até monstros gigantes e assustadores. Monstros existem, estão por ai, muitos adormecidos, podem assim continuar para sempre, mas podem também, ao mínimo barulho, acordarem. Há quem consiga conviver bem com seus monstros, mas há também muitas pessoas andando por ai, desnorteadas, verdadeiras escravas e reféns de seus monstros, e o pior, sem nem mesmo terem noção disto. Sem saber quem são eles. Esta afinal é uma boa pergunta. Quem é o seu monstro? Ele te protege ou te escraviza?
Não conhecemos tudo de nós mesmo, embora muitas vezes tenhamos esta ilusória impressão. O que vemos, a forma como entendemos, são frutos de uma vivencia, da forma como cognitivamente nos desenvolvemos ou fomos treinados a viver. Porém há algo mais, há outro mundo o qual não o conhecemos, mas que influencia a forma como vivemos, como agimos. É neste mundo que muitas vezes habitam os monstros, nossos monstros, temíveis, principalmente porque não o conhecemos. Este mundo se chama ``inconsciente´´.
No inconsciente, como o próprio nome já sugere, estão questões das quais não temos ciência, as desconhecemos ou recusamos conhecer. Não é o objetivo aqui fazer uma explanação sobre o que é o inconsciente, cabe por hora afirmar que ele existe e que muitas das coisas que lá estão, são questões mal resolvidas, questões que foram recalcadas por seu caráter traumatizante. Muitas destas questões se transformam em nossos queridos monstros aqui referenciados. Nossos medos, nossas angustias. Situações do dia a dia que nos paralisam. É inegável que muitos de nós já nos deparamos em situações assim. Estes são nossos monstros. Em alguns casos, pessoas convivem de forma harmoniosa com seus monstros, seus medos, mas, na maioria das vezes, estes as paralisam. Pessoas nestas situações são levadas a tomar decisões equivocadas, a viverem angustiadas. Muitas destas questões podem se resolver buscando conhecer a origem destes males. Porém a busca por este conhecimento exige cautela. Pode ser que ao ir ao encontro destes, o sujeito encontre alguns monstrinhos, porém, pode se encontrar verdadeiros gigantes, ou que se encontram em tamanhos gigantescos. Nestes casos algumas técnicas, alguns cuidados serão necessários para que este possa ser destruído ou, em alguns casos, colocados em se devido lugar.
Para terminar, cito um verso que me veio a consciência enquanto escrevia. Um trecho da música Dom Quixote, do grupo Engenheiros do Havai.
                        ``Tudo bem, até pode ser
                              Que os dragões sejam moinhos de vento
                              Tudo bem, seja o que for
                              Seja por amor às causas perdidas
                              Por amor às causas perdidas... ´´.



domingo, 7 de dezembro de 2014

UMA ALIANÇA DE VIDRO



Nem Ouro
Nem Prata
Nem Ferro
Nem Lata
Uma Aliança de Vidro.

            A história mostra que o uso de Aliança é uma hábito que vem sendo utilizado a muitos anos. Os Faraós do Egito teriam sido os primeiros a usá-las como símbolo de eternidade, um compromisso a ser honrado, um contrato. As primeiras Alianças eram feitas de ferro, na idade média começaram a ser confeccionadas a partir de pedras preciosas como o Rubi, que com sua cor vermelha simbolizava o coração, e a Safira que com a cor azul significava o Céu. Além destas, havia também o intocável diamante.
            Tradicionalmente a Aliança no casamento significa união eterna, um círculo de ouro indicando seu caráter indissolúvel, deve ser utilizado no 4º dedo da mão esquerda como símbolo de submissão, ligando uma veia que leva direto ao coração e reflete a união afetiva e sexual do casal, ( Lifchitz, 1991,p.183). Estes e outros significados estão fortemente ligados a este símbolo e possuem variações dependendo da cultura na qual está inserido.
            A Aliança vem sendo utilizada à alguns séculos como símbolo de união matrimonial. Racionalmente, este deveria ser um ato realizado de forma livre pelo casal, porém, ao longo dos anos, foi sendo consolidado como uma obrigação social, marcado por uma sociedade machista onde a mulher destinada ao casamento, deveria manter-se submissa ao esposo, este deveria ser seu provedor bem como de toda a família. Com as mudanças ocorridas na sociedade, com a independência adquirida pela mulher, perdeu-se em partes, este caráter de submissão para a mesma, mas não se pode negar o caráter que ainda hoje possui de obrigação imposta de um para com o outro, de pertencimento ao outro. O fato de, culturalmente no casamento, existir a ideação de pertencimento, levam muitos a mergulharem em verdadeiras crises de ciúmes e inseguranças, o medo de perder aquilo que lhe foi concedido e do qual ele/ela não viveria sem.
            A simbologia de pertencimento ao outro se torna um fardo a ser carregado. Uma imposição que pode levar ambos a anular-se em prol deste ideal ou vive-lo de fachada, apenas para cumprir uma obrigação social, culminando muitas vezes com a existência de famílias estabelecidas em um modelo socialmente e economicamente correto, mas que por detrás das portas não existe, muito menos entre quatro paredes. Desta forma, o verdadeiro ideal de uma aliança, ai se perde. Perde-se pela imposição, por possuir um caráter consolidado e indissolúvel, sendo indissolúvel, não precisa ser cuidado, não sendo cuidado, regado, estará fadado a morte.
            Diante de tais constatações e de fatos observáveis em nossa sociedade, penso então sobre qual o sentido em utilizar uma aliança carregada de tais sentidos. O ouro, como significado de preciosidade, possui também um caráter de poder, poder e posse. O círculo que não possui um fim significa uma relação obrigatoriamente estabelecida, como tal, corremos o grande perigo de não cuidarmos por acreditarmos ilusoriamente no para sempre, na utopia do até que a morte nos separe. Pensando desta forma, não encontro então sentido para este tipo de aliança. Nem ouro, nem prata, devido ao caráter ora exposto. Nem ferro nem lata, pois estes por suas características seriam facilmente corroídos pela ferrugem, deteriorados pouco a pouco ao longo do tempo. A melhor opção então, me parece uma aliança de vidro.
         O vidro é como um bolo, uma mistura de ingredientes que se leva ao fogo, neste caso se realiza a fusão a 1500 °C. Não é algo pronto, é construído. Um material que vai adquirindo resistência à medida que vai sendo trabalhado. Sua decomposição na natureza pode levar um milhão de anos. Muito embora trate se de um material resistente é ao mesmo tempo frágil, precisa de minucioso cuidado, pode quebrar caso não se realize os manejos adequados. Requer uma vigilância, pois além de quebrar, pode ferir aquele que o maneja, que está próximo de si. Uma Aliança de vidro pode ser mais adequada que a de ouro, pois, mesmo constituindo o caráter de um compromisso, se revela um compromisso que para durar uma vida nossa, precisa ser cuidado para não quebrar, pois se se quebrar, pode ser destruído, pode ferir, pode inclusive se tornar mortal. Precisa ser minunciosamente trabalhado para que, pouco a pouco, vá criando resistências e se torne algo durável,  e que seja eterno enquanto dure, que dure para sempre.

Valter Fernandes Ferreira