Valter Fernandes Ferreira.
Resumo.
Este artigo, como base referencial a
obra do filósofo Friedrich Nietzsche, busca compreender como as teorias
religiosas provocaram impactos negativos ao homem, mostra como surgiram as normas
que ditam a moral cristã, como foram construídas as bases religiosas as quais
perpetuam na sociedade atual e como os deveres morais a partir do pensamento religioso
trarão ao homem um sentimento de prisão, infelicidade, de um ser que abandona
sua própria vida por acreditar em uma vida futura, concluindo assim que muitos
dos preceitos religiosos e suas diversas ramificações hoje existentes, doutrinas que definem e
condenam o pecado, doutrinas que levaram e levam o homem a carregar consigo um
sentimento de culpa, tiveram origem em
um determinado momento histórico, sendo as mesmas oriundas de uma grande
inversão de valores.
Palavras-Chave: Religião. Igreja. Homem. Valores morais. Culpa.
Pecado.
Introdução.
Os
valores morais, as definições de pecado, certo e errado, bem e mau, são
conceitos que foram sendo construídos e modificados ao longo de um processo
histórico, podemos notar que o homem foi ao longo dos anos se desenvolvendo num
processo cultural, construindo o que hoje se conhece como sua subjetividade,
porém, através deste processo de construção, o mesmo construiu para si regras
as quais levaram no a aprisionar-se, a produzir para si uma teoria que o leva a
negar a si mesmo, sua existência e seus extintos, negando sua vida, por
acreditar em outra vida. (NIETZSCHE 1887).
Partindo de sua visão a respeito da criação dos conceitos
morais e dos males oriundos destes, Nietzsche, filósofo do século XIX,
debruça-se sobre o tema e busca encontrar respostas para seus questionamentos,
ele mostrará que a teoria religiosa da forma como se apresenta, pode se tornar
um grande perigo para a humanidade, uma sublime tentação ao nada, algo que
promoveria o começo do fim, a vontade que se volta contra a vida.
O homem, por sua natureza, possui instintos de sobrevivência,
de superação, a moral cristã, baseada na compaixão, faz com que o homem negue
seus instintos, o valor esta em ser fraco, pobre e humilde, este é um mau que
vai se alastrando cada vês mais, tornando homens doentes até mesmo os
filósofos, um caminho que levaria ao niilismo,
ou seja, ao nada, (NIETZSCHE, 1887). Desta forma, o filósofo demonstra
claramente sua preocupação de onde chegaria esta valoração sentimental, se
mostra enfaticamente contra toda teoria de amolecimento dos sentimentos, uma
patologia. Através do ``amolecimento dos sentimentos ´´ o homem posiciona-se
como um ser frágil, se coloca em posição de espera, Deus é responsável pela sua
vida, sendo assim, ele aceita todo tipo de moléstia, todo tipo de dominação,
pois, o seu reino não é deste mundo, a felicidade não se dará neste plano,
somente em uma vida futura. Esta teoria levará o homem ao abandono do que de
mais importante este possui, a vida, em prol de outra vida, a qual não se sabe
existir.
Buscando compreender melhor a respeito do que foi dito
anteriormente, Nietzsche aponta as respostas ao momento histórico onde surgiram
os conceitos de bom e mau. Bom a princípio não se referia àquele que faz o bem,
o bom seriam os nobres, Aristocráticos, os poderosos, os superiores em posição
social e pensamento, em oposição se encontrava tudo o que era baixo, vulgar e
plebeu, (NIETZSCHE, 1887). O bom seria aquele que era realmente bom no que
fazia, o que conseguia realizar suas obras, o forte, o guerreiro e não o fraco,
o coitado, o humilde. Porém ocorrerá o que o autor se refere como inversão de
valores, ou seja, o declínio dos valores aristocráticos, o surgimento do
pensamento religioso, o sacerdote asceta de forma hábil transformará, reverterá
o conceito de bom, o que o autor irá se referir como a mais espiritual
vingança, o bom deixará de ser o nobre aristocrata e passará a ser o pobre,
impotente, o sofredor, o necessitado, o
doente, este são os únicos bons, a eles caberá unicamente as bem aventuranças,
aos nobres e poderosos, estes estão eternamente condenados, são cruéis, malditos
e danados (NIETZSCHE, 1887).
A cultura religiosa que hoje conhecemos, que diz possuir
caráter de bondade todo aquele que despreza qualquer tipo de riqueza, aquele
que abandona seus desejos e anseios e se entrega à espera de felicidade em
outra vida, faz parte da mesma cultura criticada pelo autor no século XIX, ainda
conforme Nietzsche (1887), seria realmente este o momento, um pensamento
originário da árvore do ódio judeu, um povo que não podendo se estabelecer como
a nobreza, criou o cristianismo buscando se auto-valorizar, um movimento que
precisou de dois mil anos para alcançar sua vitória, (NIETZSCHE 1887).
A inversão dos conceitos de bom e mau, segundo Nietzsche
(1887) se deu a partir de uma classe ressentida tomada de ódio. Com o surgimento
deste novo conceito de bondade, o ressentimento torna-se gerador de valores,
enquanto o bom nobre se baseia em si mesmo, o novo conceito de bondade se
baseará na negação de si mesmo, para tal, cria-se então algo a se apegar, ou
seja, a alma a qual deverá ser salva, uma forma de levar o fraco e oprimido de
toda espécie a enganar a si mesmo. Através deste pensamento, o homem viverá sua
vida desprezando o corpo e seus prazeres, preocupando-se em salvar aquilo vai
além do corpo, aquilo o qual irá para a vida eterna, a alma, sua vida passará a
se basear na fé, no amor, mas este amor na verdade é o mais profundo ódio, por
não conseguirem serem fortes como os nobres aristocráticos criaram esta
inversão de valores, colocaram- nos então como o maus, o ruim o perverso, mas
tudo isto motivado pelo desejo de vingança, sendo portanto o amor que se
propaga, nada mais que o desejo de ser forte algum dia, sua esperança se dará
no juízo final, momento em que ocorrerá o gozo daqueles que tanto sofreram,
momento em que se verá os perseguidores do nome do senhor queimando nas chamas,
assim se desenvolveu e se firmou o pensamento religioso (NIETZSCHE 1887).
Com o desenvolvimento do pensamento religioso outro problema
pode ser notado, a formação de uma consciência, mas não no sentido de percepção
clara dos fenômenos, e sim no sentido de má consciência, de culpa perante Deus,
de certo ou errado, criaram então a origem da responsabilidade, uma tentativa
de tornar o homem confiável perante a sociedade, sua justificativa, a
moralidade dos costumes, da camisa de força, o grande golpe de gênio do
cristianismo onde o próprio Deus se sacrifica pela culpa dos homens, Deus, o
único que pode redimir o homem daquilo que para o próprio homem se tornou
irredimível (NIETZSCHE 1887). Desta forma o homem foi sendo domesticado,
colocado em uma linha de raciocínio que o prende, que o prende a uma teoria
tirana, dura e estúpida, tal teoria determinará limites a sua vida. Sua base
será o ascetismo, pregando o abandono aos prazeres mundanos, utilizando de
recursos que hipnotizam o ser, que, através da mnemônica, fixam seus ideais,
todas as religiões são, no seu nível mais profundo, sistemas de crueldade,
(NIETZSCHE 1887). Em alguns aspectos as teorias religiosas se mostraram como cruéis,
principalmente nos momentos em que sugerem ao indivíduo que se abandone, que aceite
este mundo como o mesmo é, se colocando como mero coadjuvante no mundo, pois a
vida, a felicidade, se dará em outro plano, sobrenatural, o reino dos céus,
onde reinara toda a glória eternamente. Desta forma o homem passará por esta
vida como um ator em uma peça teatral, exercendo um papel já pré-definido, não
sendo ele senhor de si mesmo. Por outro lado, e aqui contradizendo o autor que
mostra não achar nenhum sentido na religião, observo que a teoria religiosa se
mostrará importante em momentos onde homem necessite se agarrar a algo. Nos
momentos de enfermidades a fé se mostrará de grande importância, mas neste
momento, retornaremos a afirmação do filósofo de que o homem escolherá o nada
por não ter nada melhor a escolher.
Desta maneira criou se no homem o sentimento de culpa, uma
cultura doentia que somente poderia ser cuidada por médicos doentes, (NIETZSCHE
1887), eles mesmos, os médicos, tem que serem doentes, tem de ser aparentado
aos doentes para entendê-los, mas também têm de ser forte, mais senhor de si
mesmos que dos outros, inteiro em sua vontade de poder, para que tenha a
confiança e o temor dos doentes, (NIETZSCHE 1887).
Tais sentimentos tornaram o sujeito doente, uma doença a qual
não se deseja curar, estes doentes serão organizados em uma concentração, a
palavra mais propícia para tal seria Igreja, (Nietzsche, 1887). Dentro da
Igreja o homem acreditará ser parte integrante de uma natureza pecaminosa,
porém a natureza pecaminosa não faz parte da essência do homem, ela nada mais é
que uma interpretação dos fatos vistos sob os olhos da moral cristã que impera
sobre o ser, o fato de o homem se sentir pecador, não justifica que ele se
sinta assim, ele se sente pecador porque disseram que ele é pecador, recordemos
como exemplo clássico a caça às bruxas promovida pela igreja na idade média, os
mais célebres juízes não duvidaram de que as bruxas eram culpadas, nem mesmo
elas duvidavam, portanto, como disse o autor, e como hoje claramente sabemos,
as bruxas não possuíam nenhuma culpa do que lhes acusavam.
As religiões, conforme afirma o filósofo, foram responsáveis
pela criação do sentimento de culpa que o homem carrega sobre si até os dias
atuais, um fardo pesado, diga-se de passagem, ainda hoje notamos o quanto o
discurso moralista encontra-se infundido na sociedade contemporânea, como por
exemplo, as discussões que circulam pela mídia sobre os relacionamentos homossexuais,
sobre sua legalização, sobre o direito que os mesmos possuem a união estável e
à adoção de crianças, este grupo ao qual me refiro, é passível de discriminação
por parte da sociedade, esta discriminação geralmente virá oculta através do
discurso: `` Não sou contra, somente tenho o direito de não concordar ´´ outros
diriam, `` Jesus ama o pecador, só não ama o pecado ´´, assim se justificam
aqueles que defendem este pensamento. A cultura de discriminação poderá ser
notada em diversos meios sociais, inclusive no ambiente acadêmico, tal cultura,
pode ter origem nas bases as quais foram constituídos os pensamentos morais, ou
seja, a religião.
A cultura do pecado inserida no mundo, o sentimento de culpa,
a causa do sofrimento, estamos condenados a esta visão doentia durante alguns
milênios, jamais nos livraremos dele. Segundo o filósofo por onde quer que nos
voltemos, em toda parte, o olhar hipnótico do pecador movendo-se na mesma
direção, o sentimento de culpa criado a partir do pensamento religioso, a consumação
de um pensamento que, a partir do ideal ascético, melhorava o homem, porém,
melhora neste contexto, significa enfraquecido, alienado, uma teoria que torna
o homem doente, mais doente, ainda que o torne melhor (NIETZSCHE 1887).
Um dos principais objetivos do ideal ascético era dar um
sentido a vida do homem, portanto, se desconsideramos este ideal, o homem,
animal que é, não possuia até então sentido sobre a terra, sua existência não
possuía finalidade, afirma o autor, `` para que o homem?´´, era uma pergunta
sem resposta, o homem não conseguia se justificar, se entender, era um ser
doente, que sofria, porém, seu problema não era o sofrimento, mas a falta de
sentido para o mesmo. Foi ai que se estabeleceu todo o pensamento religioso,
com o objetivo de fornecer à humanidade um sentido para o sofrimento, sendo até
então o melhor sentido encontrado. A ciência, a qual veio a questionar
posteriormente o ideal acético, não foi até então capaz de oferecer um sentido
melhor. Desta forma ganhou espaço este ideal,
o sofrimento sendo justificado pela culpa, o homem não era mais uma folha ao
vento, ele podia querer algo, ainda que este algo se fundamentasse no niilismo.
Esta forma de interpretação, segundo o autor, trouxe ao homem um sofrimento
maior que o anterior, pois seu sofrimento baseia-se na culpa, no abandono da
vida, abandono dos prazeres, mas em prol de que? Do nada, voltando assim ao que
de inicio já se dizia: `` O homem preferirá o nada por não ter nada melhor a
querer ´´. (NIETZSCHE 1887).
CONCLUSÃO.
De acordo com a obra estudada,
observa-se que as religiões foram genitoras de muitos dos processos morais aos
quais estamos submetidos até os dias atuais. A partir de um determinado ponto
de vista, pode se visualizar este fator como positivo, pois contribuem de forma
fluente para a manutenção da ordem social, contribui ainda para o
desenvolvimento e aperfeiçoamento das relações visto que, a base da vida religiosa
se dará em comunidade. Este fato promoverá um estreitamento de laços e fará com
que as pessoas se aceitem mais umas as outras, como diz um dos fundamentos
religiosos, ``Amai-vos uns aos outros´´. Por outro lado, o pensamento religioso
trará ao homem diversos pensamentos, doutrinas, que poderão produzir neuroses
ao mesmo, como por exemplo, o sentimento de dependência, negação à vida,
sentimento de culpa, remorso, etc. O sentimento de dependência fará com que o
homem aceite muitas vezes a vida e as injustiças sociais como natural, Deus é a
providência e na hora certa ele olhará por mim. O sofrimento será em prol da
salvação, negará assim a vida, seu mundo não faz parte deste mundo, neste mundo
perpetua o pecado, a culpa pelo pecado que foi introduzida pela religião, e
isto causa ao homem um ressentimento, algo que o levará a negar muitos de seus
instintos, pois, a moral cristã não lhe permite ser livre, cria-se o remorso, através da negação de seus instintos,
o homem provocará o recalque, os sentimentos uma vez estabelecidos no
inconsciente, podem vir a se manifestar de forma patológica.
Assim
se mostra a criação dos conceitos morais produzidos pela Igreja, uma teoria que
produziu uma doença ao homem, uma enfermidade que se alastra e contamina até
mesmo o homem pós moderno, levando-o a negar sua vida e a se sentir no direito
de imputar seu princípio ao outro, com base em um livro escrito num outro
período histórico encontra motivos para explicar fatos do tempo atual, cria-se
hábitos homofóbicos, intolerantes para com aqueles que possuem outro estilo de
vida ou pensam diferente, ainda que de forma camuflada, esta é uma realidade
existente, e, dependendo do nível de desenvolvimento, estes acontecimentos
podem atentar para aquilo que o homem realmente sabe ter, a vida.
Abstract.
This article, based on the reference work of
philosopher Friedrich Nietzsche, seeks to understand how religious theories
caused negative impacts to humans, showing emerged as the rules dictate
Christian morality as the religious foundations were built which perpetuate in
our society and how moral duties from religious thought will bring to man a
sense of imprisonment, unhappiness, a being who abandons his own life for
believing in an afterlife, thus concluding that many of the religious precepts
and its various offshoots exist today, doctrines that define and condemn sin,
doctrines that led the man to lead and carry with them a sense of guilt,
originated in a particular historical moment, and the same coming from a large
inversion of values.
Keywords: Religion. Church. Male.
Moral values. Guilt. Sin.
Referências
Bibliográficas.
NIETZSCHE.
Friedrich Wilhelm. Genealogia da moral, Uma polêmica. 1887. Editora Schwarcz
LTDA.
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