quinta-feira, 26 de setembro de 2013

AS INFLUÊNCIAS DO PENSAMENTO RELIGIOSO SOBRE O HOMEM SEGUNDO O FILÓSOFO FRIEDRICH NIETZSCHE.

Valter Fernandes Ferreira.

Resumo.
Este artigo, como base referencial a obra do filósofo Friedrich Nietzsche, busca compreender como as teorias religiosas provocaram impactos negativos ao homem, mostra como surgiram as normas que ditam a moral cristã, como foram construídas as bases religiosas as quais perpetuam na sociedade atual e como os deveres morais a partir do pensamento religioso trarão ao homem um sentimento de prisão, infelicidade, de um ser que abandona sua própria vida por acreditar em uma vida futura, concluindo assim que muitos dos preceitos religiosos e suas diversas ramificações  hoje existentes, doutrinas que definem e condenam o pecado, doutrinas que levaram e levam o homem a carregar consigo um sentimento de culpa, tiveram  origem em um determinado momento histórico, sendo as mesmas oriundas de uma grande inversão de valores.
Palavras-Chave: Religião. Igreja. Homem. Valores morais. Culpa. Pecado.

Introdução.
Os valores morais, as definições de pecado, certo e errado, bem e mau, são conceitos que foram sendo construídos e modificados ao longo de um processo histórico, podemos notar que o homem foi ao longo dos anos se desenvolvendo num processo cultural, construindo o que hoje se conhece como sua subjetividade, porém, através deste processo de construção, o mesmo construiu para si regras as quais levaram no a aprisionar-se, a produzir para si uma teoria que o leva a negar a si mesmo, sua existência e seus extintos, negando sua vida, por acreditar em outra vida. (NIETZSCHE 1887).
Partindo de sua visão a respeito da criação dos conceitos morais e dos males oriundos destes, Nietzsche, filósofo do século XIX, debruça-se sobre o tema e busca encontrar respostas para seus questionamentos, ele mostrará que a teoria religiosa da forma como se apresenta, pode se tornar um grande perigo para a humanidade, uma sublime tentação ao nada, algo que promoveria o começo do fim, a vontade que se volta contra a vida.
O homem, por sua natureza, possui instintos de sobrevivência, de superação, a moral cristã, baseada na compaixão, faz com que o homem negue seus instintos, o valor esta em ser fraco, pobre e humilde, este é um mau que vai se alastrando cada vês mais, tornando homens doentes até mesmo os filósofos, um caminho que levaria ao niilismo, ou seja, ao nada, (NIETZSCHE, 1887). Desta forma, o filósofo demonstra claramente sua preocupação de onde chegaria esta valoração sentimental, se mostra enfaticamente contra toda teoria de amolecimento dos sentimentos, uma patologia. Através do ``amolecimento dos sentimentos ´´ o homem posiciona-se como um ser frágil, se coloca em posição de espera, Deus é responsável pela sua vida, sendo assim, ele aceita todo tipo de moléstia, todo tipo de dominação, pois, o seu reino não é deste mundo, a felicidade não se dará neste plano, somente em uma vida futura. Esta teoria levará o homem ao abandono do que de mais importante este possui, a vida, em prol de outra vida, a qual não se sabe existir.
Buscando compreender melhor a respeito do que foi dito anteriormente, Nietzsche aponta as respostas ao momento histórico onde surgiram os conceitos de bom e mau. Bom a princípio não se referia àquele que faz o bem, o bom seriam os nobres, Aristocráticos, os poderosos, os superiores em posição social e pensamento, em oposição se encontrava tudo o que era baixo, vulgar e plebeu, (NIETZSCHE, 1887). O bom seria aquele que era realmente bom no que fazia, o que conseguia realizar suas obras, o forte, o guerreiro e não o fraco, o coitado, o humilde. Porém ocorrerá o que o autor se refere como inversão de valores, ou seja, o declínio dos valores aristocráticos, o surgimento do pensamento religioso, o sacerdote asceta de forma hábil transformará, reverterá o conceito de bom, o que o autor irá se referir como a mais espiritual vingança, o bom deixará de ser o nobre aristocrata e passará a ser o pobre, impotente, o sofredor, o necessitado, o  doente, este são os únicos bons, a eles caberá unicamente as bem aventuranças, aos nobres e poderosos, estes estão eternamente condenados, são cruéis, malditos e danados (NIETZSCHE, 1887).
A cultura religiosa que hoje conhecemos, que diz possuir caráter de bondade todo aquele que despreza qualquer tipo de riqueza, aquele que abandona seus desejos e anseios e se entrega à espera de felicidade em outra vida, faz parte da mesma cultura criticada pelo autor no século XIX, ainda conforme Nietzsche (1887), seria realmente este o momento, um pensamento originário da árvore do ódio judeu, um povo que não podendo se estabelecer como a nobreza, criou o cristianismo buscando se auto-valorizar, um movimento que precisou de dois mil anos para alcançar sua vitória, (NIETZSCHE 1887).
A inversão dos conceitos de bom e mau, segundo Nietzsche (1887) se deu a partir de uma classe ressentida tomada de ódio. Com o surgimento deste novo conceito de bondade, o ressentimento torna-se gerador de valores, enquanto o bom nobre se baseia em si mesmo, o novo conceito de bondade se baseará na negação de si mesmo, para tal, cria-se então algo a se apegar, ou seja, a alma a qual deverá ser salva, uma forma de levar o fraco e oprimido de toda espécie a enganar a si mesmo. Através deste pensamento, o homem viverá sua vida desprezando o corpo e seus prazeres, preocupando-se em salvar aquilo vai além do corpo, aquilo o qual irá para a vida eterna, a alma, sua vida passará a se basear na fé, no amor, mas este amor na verdade é o mais profundo ódio, por não conseguirem serem fortes como os nobres aristocráticos criaram esta inversão de valores, colocaram- nos então como o maus, o ruim o perverso, mas tudo isto motivado pelo desejo de vingança, sendo portanto o amor que se propaga, nada mais que o desejo de ser forte algum dia, sua esperança se dará no juízo final, momento em que ocorrerá o gozo daqueles que tanto sofreram, momento em que se verá os perseguidores do nome do senhor queimando nas chamas, assim se desenvolveu e se firmou o pensamento religioso (NIETZSCHE 1887).
Com o desenvolvimento do pensamento religioso outro problema pode ser notado, a formação de uma consciência, mas não no sentido de percepção clara dos fenômenos, e sim no sentido de má consciência, de culpa perante Deus, de certo ou errado, criaram então a origem da responsabilidade, uma tentativa de tornar o homem confiável perante a sociedade, sua justificativa, a moralidade dos costumes, da camisa de força, o grande golpe de gênio do cristianismo onde o próprio Deus se sacrifica pela culpa dos homens, Deus, o único que pode redimir o homem daquilo que para o próprio homem se tornou irredimível (NIETZSCHE 1887). Desta forma o homem foi sendo domesticado, colocado em uma linha de raciocínio que o prende, que o prende a uma teoria tirana, dura e estúpida, tal teoria determinará limites a sua vida. Sua base será o ascetismo, pregando o abandono aos prazeres mundanos, utilizando de recursos que hipnotizam o ser, que, através da mnemônica, fixam seus ideais, todas as religiões são, no seu nível mais profundo, sistemas de crueldade, (NIETZSCHE 1887). Em alguns aspectos as teorias religiosas se mostraram como cruéis, principalmente nos momentos em que sugerem ao indivíduo que se abandone, que aceite este mundo como o mesmo é, se colocando como mero coadjuvante no mundo, pois a vida, a felicidade, se dará em outro plano, sobrenatural, o reino dos céus, onde reinara toda a glória eternamente. Desta forma o homem passará por esta vida como um ator em uma peça teatral, exercendo um papel já pré-definido, não sendo ele senhor de si mesmo. Por outro lado, e aqui contradizendo o autor que mostra não achar nenhum sentido na religião, observo que a teoria religiosa se mostrará importante em momentos onde homem necessite se agarrar a algo. Nos momentos de enfermidades a fé se mostrará de grande importância, mas neste momento, retornaremos a afirmação do filósofo de que o homem escolherá o nada por não ter nada melhor a escolher.
Desta maneira criou se no homem o sentimento de culpa, uma cultura doentia que somente poderia ser cuidada por médicos doentes, (NIETZSCHE 1887), eles mesmos, os médicos, tem que serem doentes, tem de ser aparentado aos doentes para entendê-los, mas também têm de ser forte, mais senhor de si mesmos que dos outros, inteiro em sua vontade de poder, para que tenha a confiança e o temor dos doentes, (NIETZSCHE 1887).
Tais sentimentos tornaram o sujeito doente, uma doença a qual não se deseja curar, estes doentes serão organizados em uma concentração, a palavra mais propícia para tal seria Igreja, (Nietzsche, 1887). Dentro da Igreja o homem acreditará ser parte integrante de uma natureza pecaminosa, porém a natureza pecaminosa não faz parte da essência do homem, ela nada mais é que uma interpretação dos fatos vistos sob os olhos da moral cristã que impera sobre o ser, o fato de o homem se sentir pecador, não justifica que ele se sinta assim, ele se sente pecador porque disseram que ele é pecador, recordemos como exemplo clássico a caça às bruxas promovida pela igreja na idade média, os mais célebres juízes não duvidaram de que as bruxas eram culpadas, nem mesmo elas duvidavam, portanto, como disse o autor, e como hoje claramente sabemos, as bruxas não possuíam nenhuma culpa do que lhes acusavam.
As religiões, conforme afirma o filósofo, foram responsáveis pela criação do sentimento de culpa que o homem carrega sobre si até os dias atuais, um fardo pesado, diga-se de passagem, ainda hoje notamos o quanto o discurso moralista encontra-se infundido na sociedade contemporânea, como por exemplo, as discussões que circulam pela mídia sobre os relacionamentos homossexuais, sobre sua legalização, sobre o direito que os mesmos possuem a união estável e à adoção de crianças, este grupo ao qual me refiro, é passível de discriminação por parte da sociedade, esta discriminação geralmente virá oculta através do discurso: `` Não sou contra, somente tenho o direito de não concordar ´´ outros diriam, `` Jesus ama o pecador, só não ama o pecado ´´, assim se justificam aqueles que defendem este pensamento. A cultura de discriminação poderá ser notada em diversos meios sociais, inclusive no ambiente acadêmico, tal cultura, pode ter origem nas bases as quais foram constituídos os pensamentos morais, ou seja, a religião.
A cultura do pecado inserida no mundo, o sentimento de culpa, a causa do sofrimento, estamos condenados a esta visão doentia durante alguns milênios, jamais nos livraremos dele. Segundo o filósofo por onde quer que nos voltemos, em toda parte, o olhar hipnótico do pecador movendo-se na mesma direção, o sentimento de culpa criado a partir do pensamento religioso, a consumação de um pensamento que, a partir do ideal ascético, melhorava o homem, porém, melhora neste contexto, significa enfraquecido, alienado, uma teoria que torna o homem doente, mais doente, ainda que o torne melhor (NIETZSCHE 1887).
Um dos principais objetivos do ideal ascético era dar um sentido a vida do homem, portanto, se desconsideramos este ideal, o homem, animal que é, não possuia até então sentido sobre a terra, sua existência não possuía finalidade, afirma o autor, `` para que o homem?´´, era uma pergunta sem resposta, o homem não conseguia se justificar, se entender, era um ser doente, que sofria, porém, seu problema não era o sofrimento, mas a falta de sentido para o mesmo. Foi ai que se estabeleceu todo o pensamento religioso, com o objetivo de fornecer à humanidade um sentido para o sofrimento, sendo até então o melhor sentido encontrado. A ciência, a qual veio a questionar posteriormente o ideal acético, não foi até então capaz de oferecer um sentido melhor. Desta forma ganhou espaço  este ideal, o sofrimento sendo justificado pela culpa, o homem não era mais uma folha ao vento, ele podia querer algo, ainda que este algo se fundamentasse no niilismo. Esta forma de interpretação, segundo o autor, trouxe ao homem um sofrimento maior que o anterior, pois seu sofrimento baseia-se na culpa, no abandono da vida, abandono dos prazeres, mas em prol de que? Do nada, voltando assim ao que de inicio já se dizia: `` O homem preferirá o nada por não ter nada melhor a querer ´´. (NIETZSCHE 1887).

CONCLUSÃO.        
            De acordo com a obra estudada, observa-se que as religiões foram genitoras de muitos dos processos morais aos quais estamos submetidos até os dias atuais. A partir de um determinado ponto de vista, pode se visualizar este fator como positivo, pois contribuem de forma fluente para a manutenção da ordem social, contribui ainda para o desenvolvimento e aperfeiçoamento das relações visto que, a base da vida religiosa se dará em comunidade. Este fato promoverá um estreitamento de laços e fará com que as pessoas se aceitem mais umas as outras, como diz um dos fundamentos religiosos, ``Amai-vos uns aos outros´´. Por outro lado, o pensamento religioso trará ao homem diversos pensamentos, doutrinas, que poderão produzir neuroses ao mesmo, como por exemplo, o sentimento de dependência, negação à vida, sentimento de culpa, remorso, etc. O sentimento de dependência fará com que o homem aceite muitas vezes a vida e as injustiças sociais como natural, Deus é a providência e na hora certa ele olhará por mim. O sofrimento será em prol da salvação, negará assim a vida, seu mundo não faz parte deste mundo, neste mundo perpetua o pecado, a culpa pelo pecado que foi introduzida pela religião, e isto causa ao homem um ressentimento, algo que o levará a negar muitos de seus instintos, pois, a moral cristã não lhe permite ser livre, cria-se o  remorso, através da negação de seus instintos, o homem provocará o recalque, os sentimentos uma vez estabelecidos no inconsciente, podem vir a se manifestar de forma patológica.
Assim se mostra a criação dos conceitos morais produzidos pela Igreja, uma teoria que produziu uma doença ao homem, uma enfermidade que se alastra e contamina até mesmo o homem pós moderno, levando-o a negar sua vida e a se sentir no direito de imputar seu princípio ao outro, com base em um livro escrito num outro período histórico encontra motivos para explicar fatos do tempo atual, cria-se hábitos homofóbicos, intolerantes para com aqueles que possuem outro estilo de vida ou pensam diferente, ainda que de forma camuflada, esta é uma realidade existente, e, dependendo do nível de desenvolvimento, estes acontecimentos podem atentar para aquilo que o homem realmente sabe ter, a vida.

Abstract.
This article, based on the reference work of philosopher Friedrich Nietzsche, seeks to understand how religious theories caused negative impacts to humans, showing emerged as the rules dictate Christian morality as the religious foundations were built which perpetuate in our society and how moral duties from religious thought will bring to man a sense of imprisonment, unhappiness, a being who abandons his own life for believing in an afterlife, thus concluding that many of the religious precepts and its various offshoots exist today, doctrines that define and condemn sin, doctrines that led the man to lead and carry with them a sense of guilt, originated in a particular historical moment, and the same coming from a large inversion of values​​.

Keywords: Religion. Church. Male. Moral values​​. Guilt. Sin.

Referências Bibliográficas.

NIETZSCHE. Friedrich Wilhelm. Genealogia da moral, Uma polêmica. 1887. Editora Schwarcz LTDA.