quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Polícia Militar e Bombeiro Militar. Uma Observação.

 Pensar, questionar...


A diferente atuação entre Bombeiros Militares e Policiais Militares.

Geralmente observo os movimentos ao meu redor. Um hábito adquirido ao longo da vida e que a formação acadêmica ajudou a desenvolver. Muitas vezes é prudente silenciar sobre as observações, pois muitos não compreenderão, em outras é possível hablar. E hoje ouso pensar, a partir do que vejo no convívio com estes profissionais, um aspecto da atuação de Bombeiros e Policiais.

Seria bom que policiais aprendessem um pouco sobre uma expertise dos Bombeiros.

No meu trabalho cotidiano no SAMU em Belo horizonte, convivo com Policiais e Bombeiros. Duas corporações ligadas, mas com atuações diferente. Os Bombeiros reconhecidos popularmente e pelos meios de comunicação como heróis. Os Policiais Militares , amados por uns e odiados por outros.

Recentemente tivemos exposto na mídia, a questão relativa a morte de Policiais Militares durante a atuação. A questão foi amplamente divulgada e explorada politicamente após a morte do Policial Militar Roger Dias da Cunha durante seu trabalho. Um assunto que nos deixou consternados, afinal, a maneira que ocorreu foi trágica. Torçamos para que os órgãos responsáveis criem estratégias de maneira a evitar que tragédias como esta voltem a acontecer.

A questão relatada acima ficou desde então nas minhas lembranças e neste fim de semana em uma atuação conjunta com os Bombeiros, eu soube de mais um "acidente" envolvendo Policiais Militares em Serviço. Após o termino de meu plantão vindo para casa fiquei a refletir sobre o trabalho das duas categorias profissionais, Bombeiros e Policiais Militares.

Nos meus pensamentos, vieram as diversas ocorrências em situações de grande perigo junto com os Bombeiros. Relembrando as atuações observo que, a categoria tida pela mídia e população como HEROIS, em nenhum momento atuou nas ocorrências com Intuito de Heroísmo, pelo contrario, o profissionalismo e a Segurança própria SEMPRE estiveram em primeiro lugar. Um lema que vi em Zonas quentes é: Se não tiver segurança, não se entra. Nunca vi um Bombeiro Militar entrando em zona de perigo motivado pela adrenalina do contexto, pode até acontecer, mas nas minhas lembranças, não vi ocorrer. Diferentemente das atuações dos Policiais Militares.

Na atuação de Policiais Militares é comum se observar muita tensão, não é uma generalização, mas ocorre certa agressividade, as vezes necessária, muitas vezes evitáveis. Algo que talvez até se explique historicamente no contexto Militar desta categoria.

Não sou um profissional formado em segurança pública, mas entendo um pouco sobre comportamento humano. E observando o comportamento humano dos policiais, é possível visualizar o quanto muitas vezes, motivados pela Adrenalina e pela agressividade, estes profissionais acabam se colocando em perigo, sejam em um confronto armado, ou uma perseguição policial em viaturas em alta velocidade, perseguições que muitas vezes terminam em acidentes onde os próprios policiais vão responder processos administrativos e arcar com os danos que ocasionalmente ocorrem nos veículos.

A questão que fica então é: Porque alguns profissionais se colocam em situação de risco possível de ser evitado? Porque a Instituição, o Estado, não investe mais em inteligência que em confronto direto? Não tenho uma resposta pronta para tais questões. Mas parece-me que neste quesito, há algo que a Instituição Policia Militar, pode aprender com os Bombeiros e colocar em prática os preceitos básicos onde a segurança pessoal e ao redor estejam sempre em primeiro lugar.

Um Abraço, e um agradecimento a quem se dedicou uns minutos a ler e pensar. O mundo tem estado carente de pessoas amantes da leitura e do pensamento.

sábado, 28 de outubro de 2023

Carta a Pais de Filhos Trans.

O que motiva a escrita desta carta são os desafios vivenciados na relação com meu filho, no caso um rapaz trans, e também as dificuldades que observei ao longo da minha trajetória como psicólogo clínico, onde pude vivenciar junto a alguns sujeitos a angústia  tanto dos filhos quanto dos  pais.

Das experiências adquiridas na clínica com atendimento a sujeitos trans, neste recorte específico, ficou marcado certa época em que acompanhava uma família onde, dentre outras angústias, traziam a dificuldade em aceitar que tinham uma filha trans. Quando fui acolher o pai dessa menina, o mesmo, em um momento de grande angústia, deu um tapa na mesa do consultório  dizendo: "é muito fácil você, que está do outro lado da mesa, querer que eu aceite". 

Na clínica não trabalho para que um pai ou mãe aceite ou não. O objetivo é facilitar a compreensão sobre a angustia mobilizada naquele contexto e, consequentemente, promover o entendimento e a compreensão daquele sujeito acerca do que está sendo vivenciado. Contribuir também para que o mesmo se conheça, conheça quais são os seus desejos quais as angústias o porquê das angústias, como no caso desse sujeito que dizia ter o sonho de ser avô,  e seu filho se identificando  como uma menina, a possibilidade de ser avô, parecia não ser mais possível. Tal fala demonstrava também a crença desde sujeito sobre questões relativas a paternidade, uma crença de que a paternidade ou maternidade não seja possível a sujeitos trans, sendo esta é uma visão limitada. 

Mas o fato é que aquele sujeito não sabia que o psicólogo lhe atendendo, também era um pai de um menino trans e que, para além das questões teóricas, podia imaginar um pouco o que aquele pai estava a vivenciar. Não era porém meu papel ali estar no lugar de igual com ele, por mais que eu me sensibilizasse tanto com sofrimento dele quanto com o sofrimento da filha, o papel era de proporcionar uma visão mais ampla sobre o contexto reduzindo a angústia e sofrimento de toda a família.

Voltando a minha história, já que agora escrevo de pai aos pais de filhos trans, trago um pouco da minha relação com a paternidade.

Muito jovem me tornei pai, este sempre foi um dos desejos que nortearam a minha vida, marcado pela minha relação com o meu pai ou com a falta que senti dele, pois o perdi  aos 9 anos de idade devido à complicações clínicas. Foram porém nove anos de uma convivência muito afetuosa em um contexto marcado por privação relativa a questões financeiras que vivenciamos naquela época.

Aos 19 anos me tornei pai de um menino,  hoje já maior de idade. Posteriormente, de uma maneira agora programada, me torno pai novamente. Desta vez, de uma menina. Essa menina nasce um parto prematuro,  parto de risco devido algumas questões de saúde da mãe. Lembro-me do dia do parto onde a mesma passa por mim após o parto bastante rochinha, o termo técnico que usa para isso na área da saúde é cianose, que significa que a criança teve alguma falta de oxigênio. Neste contexto, minha filha foi então entubada e transferida para o CTI.

No CTI  acompanhei por cerca de dois meses.  Inicialmente eu a via pela porta de vidro, depois podendo adentrar e tocar, até que começou a reagir e ganhar peso, sendo assim possível pegar no colo. Nestes primeiros meses, tive a oportunidade de vivenciar e acompanhar o desenvolvimento de perto, já que a mãe, devido ao parto difícil, precisou ficar de repouso em casa, sendo eu que todos os dias levava o leite materno até o CTI onde  ficou internada em Belo Horizonte. 

Posteriormente essa menina foi reagindo, foi ganhando peso e depois veio para casa. Os primeiros anos de vida seguiram sem mais complicações. Neste momento de minha vida eu trabalhava com uma grande carga horária em uma empresa do ramo alimentício em Belo Horizonte, mais especificamente no comércio,  ficava pouco em casa porém o pouco que ficava era dedicado à família em uma relação muito próxima e de muito apego com meus filhos. A menininha que foi crescendo com seus cachinhos dourados era um dengo para mim. Cito esse fato porque isso ficará marcado posteriormente na minha relação com esse filho quando o mesmo tem a compreensão a respeito de seu gênero, se identificando como um menino e assumindo a identidade Trans.

Dentre os muitos desafios nessa história, aconteceu a separação entre eu e a mãe deste filho quando este estava com seus seis para sete anos de idade. Uma separação que deixou grandes marcas na vida de ambos, tanto do filho quanto do pai, mas que principalmente para o filho naquele momento no início de sua idade escolar,  trouxe sérios problemas de socialização dentro deste e de outros ambientes. Problemas que acompanhei de perto, buscando estar sempre presente, vivenciando uma grande angústia de tentar fazer com que fosse mais fácil para esse meu filho a sua estadia dentro da escola. 

Sempre acreditei na transformação que a educação pode promover a um sujeito. Tendo eu vindo de uma família com dificuldades financeiras encontrei através da educação possibilidades de sair um pouco mais daquele lugar difícil onde havia vivenciado junto com meus pais a experiência de morarmos de favor, embora muitas vezes as pessoas tentassem nos ajudar, de minha parte mais especificamente, por vivenciar  muitos desafios e abusos diversos,  fiz desde cedo a aposta na educação, aposta nos estudos, como minha maneira de investir na possibilidade de ascensão pessoal e profissional. Ver meu filho com dificuldade para seguir estudando foi uma das angústias vivenciadas neste período pós separação.

Aconteceu porém que por mais que eu tenha investido como pai para que minha filha seguisse nos estudos, isso não foi possível, e a evasão escolar ocorreu. Foi angustiante, mas não dependia só de mim. Busquei desde a primeira infância, ofertar tratamento psicológico sem sucesso, não havia adesão, não que a criança não aderisse, mas isto passava também pelo desejo de outra pessoa além de mim. Tendo então meu filho parado de estudar resignei-me a este fato,  e segui acompanhando por perto. 

Na virada da adolescência para a juventude meu filho tem então uma virada de chave na sua compreensão de vida. Neste momento o mesmo se identifica com um menino trans. Neste mesmo período, agora por seu próprio desejo, inicia um trabalho de psicoterapia com a psicóloga do postinho. Dou ênfase a este ponto pois, psicólogos do postinho, volta e meia sentem a sensação de estarem enxugando gelo, de que o trabalho não tem resultado, devido a atendimentos muito espaçados onde há uma grande demanda. Porém, neste caso é em muitos outros, o trabalho do profissional se mostra fundamental.

Voltando a esta mudança compreendida por meu filho, tendo eu já estudado e trabalhado com diversas questões que envolve os conflitos de situações como esta, tive uma maior facilidade para lidar com a questão. Muito embora tenha tido uma maior facilidade fato inclusive que contribui para que meu filho tivesse certa facilidade em me falar sobre este fato, não deixei de vivenciar ali algumas angústias referente a essa mudança.

Todo pai e toda mãe, ou quase todos, quando  tem um filho, cria planos, deseja. Comigo não foi diferente. A mudança então de minha filha, marca o fim do ciclo de uma menina como filha que eu tinha. Entre outras mudanças, acompanhei o corte dos cabelos aqueles cabelos que eu citei no início dessa conversa, término dos cachinhos que esse filho sabia inclusive o quanto que eu achava lindo, e fui acompanhando as diversas mudanças e de alguma maneira lidando com luto referente esse fato.

Com o passar o tempo, à medida que essas mudanças foram se consolidando ou estão se consolidando até hoje, este meu filho, agora um menino, vai encontrando-se e encontrando uma melhor maneira de viver e se posicionar enquanto sujeito no mundo. A medida que ele foi se encontrando, fui observando que eu tinha ali o final de um ciclo com a menina que eu havia visto nascer, mas além da perda, estava tendo também a possibilidade, oportunidade, de acompanhar novamente o nascimento do meu, agora filho. E acompanhar este momento tem sido uma grata surpresa cotidiana a medida que aquele sujeito que outrora não conseguiu estudar, consegue então retomar os estudos e vai pouco a pouco, concluindo, sendo que, os diversos anos de estudos perdidos na infância e adolescência, com pouco menos de um ano estão sendo recuperados através da educação para jovens e adultos, EJA. Além de estar concluindo o ensino fundamental e médio, esse sujeito consegue também neste momento realizar um curso técnico profissionalizante. Um sujeito que vai nascendo crescendo e criando projetos de vida, seus projetos de vida, dde maneira que sou grato pela oportunidade de ver e acompanhar novamente o nascimento de um filho. Nascimento que é diferente daquele que eu havia observado na primeira infância. Nascimento é que é diferente daquele que eu vi dar os primeiros passos, mamar o primeiro leite materno através de uma seringa em um CTI hospitalar. Mas que por outro lado vejo dando seus primeiros passos rumo a uma carreira profissional, vejo conseguindo por si só a mudança dos documentos os quais dão origem ao nome que escolheu, vejo alimentando-se do conhecimento e da Liberdade que esse conhecimento propicia através dos estudos.

Desta maneira e já concluindo essa longa carta, dirijo-me aos pais de filhos trans. Àqueles que vivenciam essa angústia, àqueles como aquele pai que acompanhei como profissional por um curto período mas que pude acompanhar sua filha. Que estes pais possam encontrar uma maneira de ressignificar a sua paternidade e não se deixarem cegar por preceitos morais até mesmo ultrapassados. Por ideias dominantes ainda em uma sociedade extremamente machista e patriarcal. Que estes pais possam encontrar uma maneira de ver que ao assumir a sua identidade de gênero, o filho demonstra uma atitude de uma coragem imensa. Que ao apoiar, ao acolher, estes pais podem ter a oportunidade de ressignificar e ver novamente esse filho seguir caminhos que era os sonhos daqueles pais, mas de uma maneira diferente. Seguir os sonhos daquele filho, mas que não foge totalmente aos desejos de pais que querem vê-los crescendo, querem vê-los com oportunidade na vida, querem vê-los vencendo

Transmito através dessa carta o desejo de que outros pais possam compreender o quão importante é para seus filhos o fato de poder encontrar apoio de seus pais neste momento de tão grande luta na vida. E que os pais também podem encontrar alegria em ver seus filhos renascendo e que acima de tudo, existe a possibilidade de seguir reinventando possibilidades de vida sempre.

Um abraço.

* Os fatos refente a casos de outras pessoas aqui citadas, foram alterados devido à nescessidade de se manter o sigilo profissional.

sábado, 10 de junho de 2023

Competir e Cooperar.

Tenho tido a oportunidade neste estágio da vida de praticar o Karatê, a arte das mãos vazias. Um sonho de minha adolescência que não morreu e agora se concretiza. Tenho tido também a oportunidade de dar ao meu filho de 10 anos a possibilidade de treinar tal arte.

Dia destes observava o treinamento dele junto com outras crianças na academia. Nesta observação, fiquei a refletir a maneira com que fomos ensinados e como ensinamos as crianças em nossa sociedade.

Recebi, e creio que muitos de vocês também, uma educação que tinha como objetivo principal a competição. A frase de que no mundo do trabalho e na sociedade, precisamos competir, precisamos ser melhores todos os dias, é preciso vencer, vencer e vencer, ainda ecoa no tempo.

Acontece porém, que tal modo de vida, pode muitas vezes nos cegar. Pode e causa em muitas situações, um empobrecimento no nossos modos de enxergar o mundo e as pessoas ao nosso redor. Pensemos por exemplo o auge das redes sociais na contemporaneidade. Milhões de pessoas criam conteúdos digitais todos os dias. No Instagram,  cerca de 96 milhões de fotos são postadas por dia. Um busca frenética por sermos vistos, por likes. Mas o sentido controverso de tudo isto, é que na maioria das vezes, a busca por ser visto, impede que se veja. E assim poucas pessoas param para ver e valorizar, nem que seja com um like, o bom conteúdo que um colega criou, e ai retorno a minha observação realizada durante o treinamento das crianças no Karatê.

Durante o treinamento das crianças, há algumas situações competitivas. Algumas atividades que as motivam de maneira saudável. Numa destas brincadeiras, o professor promovia a atividade de pular cordas, e havia ali uma competição de quem pulava mais vezes. Naquela atividade, observei que as crianças vibravam quando conseguiam superar o colega, e dai voltavam para a fila. Mas ai a surpresa, quando um outro colega que estava pulando, superava o record e continuava, as demais crianças que estavam na fila, vibravam junto a ele e junto ao professor, realizavam a contagem vibrando com a vitoria do amigo, uma atitude que me encheu de orgulho e colocou a pensar sobre nossa responsabilidade enquanto educadores, enquanto transmissores de conhecimento.

Olhando as crianças, podemos compreender a beleza da cooperação, um prazer a meu ver, imensamente superior a competição. E questiono: Competir ou Cooperar ? Ou ambas podem coexistir?

Creio que sim. Que possam coexistir. Acredito na possibilidade e na capacidade que temos de competir mas também de vibrarmos com o sucesso de nossos parceiros, contribuindo inclusive para o desenvolvimento em comum.

Sigamos...



terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Educação. Uma Crítica Social

    Começo este pequeno texto, trazendo a memoria aulas que tive com o querido professor Luiz Rena. Aulas que abordaram principalmente as teorias de Vygotsky e Piaget. Aulas sobre Educação Formal, informal, não formal. Busco estas lembranças para pensar as observações que realizo na escola Municipal onde meu filho estuda. 

    Dia destes meu filho pediu para levar lanche para a escola. Algo até então natural, dentro do que já fazemos, observei porém que o pedido veio com uma justificativa a mais em um dia que eu não havia separado um lanche para levar. Tomo então conhecimento de que a instituição tem organizado o horário do recreio, separando os alunos entre quem leva seu lanche e quem não leva lanche. Os grupos ficando separados. Dai, como os colegas mais próximos de meu filho fazem parte do grupo que leva lanche, ele passou a demandar levar lanche todos os dias, pois devido a separação, estava perdendo este momento de relação social.

    Frente à questão, conversei com a supervisora para melhor entender a situação. De fato é algo que realmente vem acontecendo mas não por "maldade" dos profissionais envolvidos, e sim como maneira de solucionar outra demanda. Afinal, lidar com o público não é tarefa simples como disse me uma profissional da instituição, " é difícil agradar a todos". Tomo conhecimento então que ideia de separar os grupos, veio a partir de uma demanda de alguns pais que reclamaram que outros alunos, comiam a merenda que seus filhos levavam.

    Tal questão me colocou a pensar que tipo de educação desejamos aos nossos filhos? Que tipo de cidadãos pretendemos formar?

    Retomando o início. A educação possui o aspecto formal, que é aquela que acorre dentro das instituições, a não formal, que ocorre fora das instituições de ensino mas de forma organizada e objetiva, e a informal, que ocorre ao longo da vida com as experiencias adquiridas nas diversas circunstancias. Penso então no aspecto informal que este acontecimento pode promover na educação dos alunos.

    Embora eu compreenda a instituição e a tentativa da mesma em atender a demanda dos pais, ao separar os alunos entre quem leva seu alimento e quem não leva, penso e problematizo o que isto pode acarretar.

    Sempre que meu filho levava seu lanche ele me contava sobre a partilha que realizava com os colegas, tanto no sentido de lanchar do colega quanto de permitir que o colega lanchasse do seu, falava também de um combinado onde, se alguém estivesse com o dedo cruzado, não precisa dividir. Dentro de meu ponto de vista, considero esta troca importante tanto para meu filho, quanto de forma mais abrangente, para a sociedade. Pensando em educação, a criança pode aprender ai algumas importantes lições que lhe serão importantes ao longo da vida. 

    Com a partilha a criança pode aprender a dividir, aprender que pode dar e  receber do outro. Junto a partilha de um alimento, temos também partilha de afetos, questão esta de suma importância na formação da personalidade. Outro aspecto também de igual importância, se dá quando a criança aprende nestas relações a lidar com o limite. Quando a criança diz não ao colega, ela está aprendendo a colocar limites e quando ele recebe o não do colega, aprenderá a lidar com o limite, com a frustração.

    Ainda sobre a atitude institucional de atender a uma demanda que não sei como ocorreu, coloco me no lugar das crianças que não podem levar seu lanche. Tomo aqui o cuidado de não afirmar que aconteça, mas a separação da turma entre quem leva e quem não leva seu lanche, pode contribuir diretamente para uma separação de classes. Contribuir para a construção ou para a manutenção de uma sociedade que baseia os valores em quem pode e quem não pode.Quem tem e quem não tem. Neste aspecto, quem não pode, pode vir a ter prejuízos na aprendizagem devido ao fato de que o principal fator para que ocorra efetivamente a aprendizagem, são as relações de afeto que envolvem esta.

    Concluindo, saliento o quão é importante é o aspecto formal da educação no ambiente escolar. Mas alguns aspectos da edução ultrapassam os muros e as grades da instituição e, quando este fato ocorre, e sempre ocorre, cabe diretamente a nós enquanto pais, zelarmos pela educação de nossos filhos como também da educação comunitária. Cuidarmos para a construção de uma sociedade um pouco menos adoecida que esta atual onde vivemos. Se conseguirmos isto, suspeito que teremos feito um bom trabalho e teremos alguma chance de ir pro Céu.

domingo, 17 de outubro de 2021

Casamento é um Pomar com deliciosas frutas no SEU quintal

 Depois de um bom tempo, retomo a escrita neste espaço de escuta. E hoje motivado a escrever sobre relacionamentos, mais precisamente sobre casamentos.

O primeiro questionamento que me fiz foi: Como você vai escrever sobre relacionamentos estando já numa terceira relação?

Respondendo para mim mesmo e para os que me leem, penso: Primeiramente o objetivo nesta reflexão não é de maneira alguma criar uma receita de bolo sobre como fazer um casamento dar certo, isto os livros de autoajuda já o fazem e bem. Em segundo, estou sim em uma terceira relação, e isto não quer dizer que as duas anteriores não deram certo. Muito pelo contrario. Deram certo por doze anos cada uma.

Mas retomando ao título deste pequeno escrito, vou ousar, assim como o fez Rubem Alves ao comparar o casamento a uma partida de tênis e uma partida de frescobol, pensar o casamento como um pomar. Como o pé de uma deliciosa fruta que você tem no seu quintal.

Pense em uma fruta. Uma que você goste muito. Eu penso um pessegueiro. Adoro pêssegos. Me faz lembrar a infância quando ia a passeio na casa de meus avós no interior. O gosto pelo pêssego só é tão bom, porque eu não tenho um pé em meu quintal produzindo em grandes quantidades. No meu quintal tem um pé de acerola e um de goiaba, é comum que na época destas frutas, muitas caiam pelo chão ou são bem aproveitadas pelos pássaros.

Se observarmos um pouco mais, nos locais onde ocorre grande produção de frutos, pouco valor se dá. As pessoas que por exemplo vivem no campo, com pomares fartos, deixam que os frutos se percam. Podem passar a temporada das jabuticabas com o pé carregado sem sequer chupar uma.

Outro exemplo interessante são os Ipês amarelos. Não sei em outras regiões, mas aqui em Minas Gerais eles encantam nos meses de agosto e Setembro. Mas o interessante de observar é que somente nesta época do ano eles aparecem. Nos demais meses do ano caem as folhas e se tornam árvores sem graça alguma. Mas ai está o segredo do encanto. Não é algo continuo. O encanto só existe porque é somente uma vez por ano, é preciso a espera para novamente apreciar a beleza do vibrante amarelo. Se tivéssemos várias Ipês florindo o ano todo, seria bem enjoativo ver tanto amarelo por ai.

As relações de longa duração, os casamentos como são popularmente e historicamente conhecidos, são pés de fruta, são Ipês Amarelos produzindo o ano todo. Tendemos a não visualizar com o passar do tempo, aquilo de bom que temos ao nosso lado. Tendemos a observar mais as futilidades e os estresses cotidianos às coisas boas.

A questão que fica então é: O que fazer? Qual seria o segredo?

Poderia eu aqui apontar diversas possibilidades Mas retorno ao início do texto. Não tenho por objetivo trazer uma receita de bolo. Outrossim, promover reflexões as quais podem contribuir para que cada qual, crie sua própria receita.


Um abraço.

terça-feira, 29 de maio de 2018

Sobre o Uso de drogas, lícitas ou ilícitas .


Uma carta destinada principalmente a adolescentes e jovens 

Certa vez ouvi de uma colega de trabalho: “O problema não são as drogas, o problema é o que há por trás do uso de drogas”, ou seja, o problema por trás do problema.
O uso de substancias alucinógenas não é algo novo, outras civilizações anteriores já faziam uso de plantas que provocavam alucinações, sendo inclusive utilizadas em alguns rituais. Porém o uso de drogas em nossa atual sociedade é algo preocupante, e preocupante não essencialmente pelo bem ou mal que esta provoca ao organismo. Preocupante pelos motivos que levam sujeitos a fazerem uso das mesmas, seja um rivotril ou um baseado.
Preocupa-me o fato de que na contemporaneidade o sujeito apresenta por características a negação da angústia, da tristeza, sendo que, de uma forma ou de outra, em algum momento o sujeito viverá esta sensação. A felicidade não é um estado pleno de pura satisfação. Porém frente a angústia, o sujeito, seja ele de que idade for, terá pela frente a possibilidade de na drogadicção, encontrar um refúgio para sair da angústia, ainda que de forma ilusória. As opções são diversas, variam do álcool, droga lícita e de fácil acesso, fármacos cada dia mais populares, como a ritalina, rivotril e outros mais, até outras drogas consideradas ilícitas, como por exemplo a maconha, cocaína e seus derivados. Mas como enunciado no primeiro parágrafo, preocupante mesmo são os motivos pelos quais se usa.
Em conversa recente com uma jovem, por sinal muito inteligente, pensávamos a questão. Uma garota que pela manhã fazia uso de maconha com o objetivo de dar uma onda, e permanecer na onda, me chamou a atenção. Observo que a priori, dentro da rotina desta jovem nenhum comportamento extravagante é observado. Mas a necessidade de estar em uma constante sensação de bem estar, é um risco, grande risco por sinal. Tendo por base que em um momento ou outro a falta baterá a porta, qual será a reação neste momento? Daí ocorre o que dizem ser a porta de entrada para outras drogas. Não que o uso de uma ou outra droga trará a necessidade de usar outra com potencial alucinógeno maior. O detalhe está no motivo. Assim como um sujeito que por anos e anos usa o clonazepan para conter a ansiedade sem concomitantemente realizar uma psicoterapia para resolver o motivo da ansiedade, depois de um tempo necessitará usar outro medicamento mais forte, pois o primeiro já não fará efeito. Assim também será com quem usa uma droga ilícita. Depois de alguns anos usando maconha para conter uma ansiedade ou tamponar uma angústia, se bem que as duas são praticamente a mesma coisa, a maconha não mais fará efeito, e o sujeito precisará de algo mais, e daí a entrada para o uso de outros entorpecentes.
Outro agravante a quem realiza uso drogas ilícitas, será o fato de que este sujeito em muitas das vezes será marginalizado, criminalizado, fazendo com que ao mesmo reste poucas opções, entre estas, o uso de mais e mais entorpecentes. Portanto, se você faz uso de alguma droga, algum alucinógeno, pense no motivo que o leva a utilizar, está a meu ver é a principal questão. O uso de substancias que alteram a percepção como uma necessidade constante, merece todo cuidado. Um sujeito que precisa tomar um clonazepam todos os dias para dormir e um sujeito que precise de uma cerveja ou um cigarro de maconha cotidianamente para relaxar, ambos podem estar precisando realizar um trabalho no sentido de se encontrarem, de resolver a real causa desta necessidade, pois caso contrário, o risco de precisar num futuro breve aumentar a dose da droga ou a substituir por outra mais forte, será um risco eminente.


Psicólogo Valter Fernandes
CRP 04-48977


sábado, 24 de junho de 2017

Uma sociedade sem perspectivas, sem ideais. A era do descartável.



Ontem já à noite ao sair de um supermercado, ouço por acaso dois jovens rapazes, uns 19 a 20 anos estimo, conversarem sobre relacionamentos. Um deles dizia: “Mano, se você casar com a mina, tem que ser pra vida inteira, hoje qualquer coisa o povo separa. Meu avô morreu com 94 anos e casado com minha avó.”  Confesso que a primeira coisa que me veio em mente foi: “ Se eles soubessem o que é casamento”. Pego minha moto e saio.
Vou refletindo então sobre a fala destes garotos e pensando sobre nossa atual sociedade. Lembro-me de uma fala do Psicanalista Geraldo Caldeira em entrevista a uma emissora de TV onde diz que um dos motivos para a violência no mundo é a falta de amor. Freud já dizia: “Em ultima análise, é preciso amar para não adoecer”. E como anda nosso mundo atual?
Os modos de vida na contemporaneidade sem dúvida são marcados pelo tempo rápido e pela utilização de recursos descartáveis. As relações estão também inseridas nesta lógica de mercado consumista, relações superficiais e com pouco vínculo afetivo, volto então à fala dos garotos: “Hoje qualquer coisa o povo separa”. O povo separa, ou seja, larga e vai para outro, em um jargão popular: “A fila anda”. A fila anda, como no caixa do supermercado que acabo de sair. As relações parecem estar cada dia mais vazias, como se o amor fosse algo o qual pudéssemos pegar em uma prateleira de supermercado, se não der certo troco por outro. O ser humano inserido em uma lógica de produto consumível. Embora não seja eu um adepto do amor romântico de outrora, reconheço não ser o amor algo superficial e que se possa pegar em uma prateleira de supermercado. O amor se constrói em uma relação, leva tempo, exige investimento.
Deixando um pouco de lado o contexto das relações amorosas e do casamento que motiva o inicio deste escrito, podemos observar no mundo atual o que Lipovetsky chama de "A era do Vazio". Constatamos hoje mais que nunca, um grande vazio de afeto nas diversas relações em que estamos inseridos. Isto fica fácil de observar nos diversos âmbitos sociais. A vida em comunidade torna-se enfraquecida, a era virtual com toda a tecnologia que poderia aproximar o ser humano, acaba por promover um distanciamento dos mesmos. As relações são virtuais e, caso se sinta insatisfeito, basta um click na tecla DEL, e lá se foi... O ser humano vai assim perdendo sua humanidade, perdendo sua capacidade e sua disponibilidade para construir. Construir... Esta talvez seja a palavra central. Triste ver hoje a perca desta capacidade. Fato que já ocorre desde a infância onde as crianças de hoje pouco espaço tem para construção, esta que talvez seja a mais rica experiência infantil, a de construir seu brinquedo e o seu brincar e criar neste contexto uma relação de afeto. *Dia destes ouvi uma menina de quatro anos dizer : “Não gosto de minha mãe, ela não brinca comigo.”  Não julgo esta mãe,  sei que ela trabalha todos os dias e sua formação obedece a regra do ter, quando deveríamos nos preocupar um pouco mais com o ser, afinal é como disse Ana Vilela em sua música: “ A vida é trem bala parceiro, e a gente é só passageiro prestes a partir”.

*Os fatos relatados são observações realizadas no cotidiano do dia a dia.